Por *Heigon H.Q. Oliveira & José A.C.C. Nunes**
Os crescentes relatos de casos da doença de Haff, relacionados ao consumo de peixe olho de boi ou arabaiana (Seriola spp) no litoral norte da Bahia, vem gerando grande preocupação à população quanto a ingestão de peixes, crustáceos e moluscos e prejuízos aos pescadores em diversas regiões do estado.
De acordo com a Secretaria de Saúde da Bahia, a doença se caracteriza como uma síndrome de rabdomiólise (ruptura de células musculares), ocorrência súbita de extrema dor e rigidez muscular, dor torácica, falta de ar, dormência e perda de força em todo o corpo, além da urina escura, associada a elevação de uma enzima (CPK) no sangue, podendo evoluir rapidamente para insuficiência renal e, se não adequadamente tratada, levar ao óbito.
Apesar do crescente número de casos existentes, graves sintomas relacionados e risco de epidemia, as causas da doença permanecem desconhecidas. A falta de informação sobre os fatores que levam a ocasionar toxicidade dificulta a mitigação dos riscos. Intoxicações alimentares em humanos provocadas pelo consumo de pescado são relativamente comuns, sendo observadas em vários países do mundo e documentadas desde a década de 80. Na maioria das vezes, alimentos são contaminados por biotoxinas que podem ser causadas por bactérias, vírus, fungos e microalgas planctônicas (aquelas que vivem na coluna d’água).
A doença de Haff chama atenção para intoxicação a partir de alimentos já cozidos, o que tem levado os pesquisadores a descartar hipóteses de intoxicações a partir de vírus e bactérias, pelo menos os mais comuns e, levantado a possibilidade de se tratar de toxinas produzidas a partir de microalgas planctônicas.
Microalgas planctônicas são naturalmente comuns nos rios e mares, entretanto quando há uma proliferação exagerada de algas nocivas, estas podem trazer diversos danos ao ambiente e a população como: anoxia (redução de oxigênio), mortandade de peixes por asfixia e intoxicações humanas agudas por bioacumulação. Em alguns casos, assemelhando-se aos observados pelas pessoas acometidas com a doença de Haff, onde não há relato de efeitos de intoxicação aparente nos pescados consumidos.
Alguns estudos realizados em águas doces e na região costeira do Brasil já relataram a presença de espécies de microalgas planctônicas produtoras de toxinas, podendo servir também como ponto de partida para identificação dos possíveis agentes causadores da doença de Haff.
Entre as causas que podem ocasionar a proliferação de algas nocivas bem como a intoxicação por outros agentes citados (vírus, bactérias e fungos), destaca-se a poluição ambiental, especificamente o lançamento de efluentes urbanos não tratados (esgotos), industriais e agrícolas, contaminando lençóis freáticos, rios e oceanos. A poluição dos ambientes aquáticos tem sido tema de grande preocupação entre os cientistas, que tem alertado incessantemente a população e as autoridades para o problema. Todos os dias são descartados indiscriminadamente centenas de milhares de litros de resíduos não tratados nos rios e oceanos com diversas substâncias nocivas a vida, como metais pesados e organoclorados, essas substâncias acabam entrando na cadeia alimentar e retornam a nossa mesa, através dos alimentos consumidos, podendo causar danos inestimáveis à saúde e aos cofres públicos.
A preocupação não reside apenas na contaminação devido as substâncias químicas, o lançamento de efluentes não tratados alteram as características naturais do ambiente como quantidade de nutrientes (ex: fósforo e nitrogênio) que favorecem o crescimento rápido e acentuado de decompositores (principalmente bactérias) e microalgas nocivas podendo levar a eutrofização do corpo hídrico (quando esse excesso de nutrientes e crescimento desordenado de decompositores e microalgas dificulta a penetração da luz solar na água e a fotossíntese, diminuindo drasticamente o oxigênio da água e provocando morte de peixes e outros organismos).
Desta forma, é preciso que a sociedade entenda os riscos que corre todos os dias e cobre aos órgãos públicos ações de saneamento básico e destinação adequada dos resíduos. Além disso, um programa de monitoramento ambiental é extremamente importante em áreas onde o pescado contaminado foi obtido, a fim de identificar se sinais ambientais que evidenciam riscos de contaminação a população estão presentes.
Por fim, cabe ressaltar a preocupação com os pescadores e revendedores de peixes e mariscos que relatam uma redução acentuada da procura de peixes em diversos pontos ao longo do litoral baiano após as ocorrências da doença de Haff. Mais um impacto na economia desta população que já sofreu com o recente aparecimento das manchas de óleo na costa e devido a pandemia do COVID-19, fatores que reduziram muito a venda de pescados ao longo do litoral da Bahia. Precisamos, urgentemente, de políticas e ações que garantam a saúde da população, o meio ambiente saudável e o sustento dos que vivem da atividade pesqueira.
*Biólogo, Mestre em Zoologia, Sócio Diretor da Empresa Biobahia Consultoria Ambiental.
**Biólogo, Doutor em Ecologia, Pesquisador Associado ao Grupo de Ecologia de Recifes.
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