Esta semana uma notícia vem chamando atenção na comunidade náutica: a descoberta de uma caverna subaquática nas águas da Bahia, com profundidade de mais de 100m. O anúncio foi feito pele mergulhador *Laszlo Mocsári, que compartilhou com o Mar Bahia os detalhes da descoberta.
A descoberta
"Há pouco mais de dez anos comecei, juntamente com Bruno Fagundes, a estudar e fazer mergulhos profundos, que são aqueles abaixo dos 50 m de profundidade, e logo progredimos para fazer mergulhos extremos que são os abaixo dos 100 m. Este tipo de mergulho poucos fazem aqui no Brasil. Nele usamos rebreathers, que são equipamentos de respiração subaquática de alta performance, que reciclam e otimizam as misturas respiratórias, podendo proporcionar mergulhos com cerca de seis ou mais horas a qualquer profundidade.
Na ocasião, consegui alguns pontos de pesca profundo com o meu amigo Marcel Brito que opera comercialmente na pesca esportiva em nosso litoral. Alguns destes pontos ficavam na borda da plataforma continental. A plataforma é relativamente curta, em frente a Salvador, ficando entre oito e 20 km da costa. Geralmente, à medida que se afasta da costa, a profundidade aumenta de forma linear, algo em torno de 8 –10 metros a cada km. Ao atingir a profundidade em torno dos 100m há uma queda abrupta para a profundidade em torno dos 200 m, que por sua vez, aprofunda rapidamente para a faixa dos 1000 – 1500 m de profundidade. Em alguns locais há verdadeiros paredões com 100 metros de altura. São nestes paredões que temos feito alguns mergulhos muito interessantes, onde podemos apreciar uma rica vida marinha, como grandes cardumes e peixes de grande porte".
A Caverna
Há seis anos atrás, fiz um mergulho a 170 m em uma destas paredes, na qual descobri acidentalmente uma caverna aos 145 m de profundidade. Vejas imagens aqui. Tentei mergulhar novamente várias vezes, porém coincidir dias sem correnteza e posicionar a embarcação corretamente não é algo fácil; assim como também não dá para ficar procurando nada a esta profundidade, pois cada minuto pode custar ao mergulhador 15 minutos a mais na descompressão.
As alterações fisiológicas deste tipo de mergulho superam em muito às dos astronautas quando estão no espaço. Nós levamos conosco quase 100 kg de equipamentos cada, qualquer correnteza afeta significativamente o esforço do nado subaquático.
Um novo mergulho
Em 26/9/2020, juntamente com o meu dupla Peter Tofte, finalmente conseguimos encontrar novamente esta caverna e fazer tomadas melhores que da primeira vez.
As condições do mar estavam ótimas, sem correnteza, ondas em torno de 1,5 m, tempo bom com poucas nuvens. Após algumas manobras conseguimos posicionar a embarcação adequadamente. A garatéia deve ficar o mais próximo possível da borda da plataforma e exatamente acima da caverna. Uma vez fundeada, na superfície, fizemos o checklist final, caímos na água e começamos a nossa jornada ao abismo.
Havia relativamente pouca vida, diferente de outras vezes que cheguei a encontrar cardumes com dezenas de olhos-de-boi grandes, com cerca de 1m de comprimento cada. Em 8 minutos chegamos ao platô superior, que fica a 105 m de profundidade, fixamos ao cabo de ancoragem, um cabo guia que desenrolamos de uma carretilha à medida que nos deslocamos. Isto nos assegura o retorno garantido ao cabo de ancoragem, evitando que nos percamos no mar.
Nos aproximamos da borda da plataforma continental e começamos a descida ao longo do paredão praticamente vertical. Esta parede é composta do que os biólogos chamam de “corais afogados”. Em outras eras, quando o nível do mar era cerca de 100m mais baixo, a luz solar fez florescer corais nesta área. Com o fim das eras glaciais houve elevação do nível do mar e a consequente redução da luminosidade fez sucumbir estes corais. A esta profundidade a luz se assemelha pouco menos que uma noite de lua cheia, portanto há a necessidade do uso de lanternas.
Assim que atingimos os 140 m já foi possível ver a entrada da caverna que tem cerca de 2m de altura e uns 7m de largura. Parece ser curta, com extensão em torno de 25 m. É possível que haja condutos escondidos que nos passou desapercebido. A caverna possui um fundo lamoso, temos que ter um perfeito controle da flutuabilidade para evitar tocar no chão, pois pode levantar a lama prejudicando a visibilidade.
Com cerca de 15 min de tempo de fundo, começamos nossa longa jornada de subida, recolhendo o cabo guia até o cabo de ancoragem no qual usamos de base de apoio para as paradas descompressivas, que são feitas a cada 3 m e que neste mergulho se iniciaram aos 60 m de profundidade.
Foram 205 minutos de descompressão, nos quais ouvíamos sons de baleia, chegando a ver uma quase fora do alcance da visão e um golfinho nariz de garrafa branco, que passou tão rápido que não deu tempo de ligar a filmadora para capturar este raro exemplar.
Assistindo o vídeo deste mergulho, oceanógrafos e pesquisadores do Laboratório de Recifes de Corais UFBA, rapidamente mostraram interesse em obter imagens para fins de estudos. Confesso que fiquei muito contente e será um prazer poder contribuir com a ciência, oferecendo minhas imagens. Sempre gostei de filmar o relevo, fauna e flora do nosso litoral, acreditando que meu acervo de mais de 100 filmes no YouTube, um dia pudesse oferecer algum tipo de contribuição. Parece que este dia chegou.
* Laszlo Mocsári é médico, especialista em anestesiologista e terapia intensiva, mergulhador técnico de mergulhos extremos. Autor dos livros "Rebreather: Simplificando a Técnica" e "Rebreather: Mergulhando Fundo na Técnica".
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